quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

ANTROPOLOGIA DA VOCAÇÃO CRISTÃ

  Ver a aflição do povo é o aspecto específico da vocação cristã.

“Eu vi a aflição do meu povo...” (Ex 3,7-10).

Muitas pessoas se engajam na construção de uma nova sociedade tendo como horizonte e parâmetros valores ético-humanos como a justiça, a fraternidade, a paz, as condições básicas para uma humana digna, os direitos humanos, a ecologia, etc. embora essas pessoas com suas lutas e movimentos se determinem explicitamente a partir de valores humanos, elas são, implicitamente iluminadas, inspiradas e fortalecidas pelo Deus que ama e salva.

Outras pessoas com o seu deus cujo nome defere do nosso Deus e em nome de suas outras religiões ou culturas, também se asseguram no bem, na esperança, na resistência ao inimigo e na defesa da vida contribuindo assim, para assegurar e, ou, construir a fraternidade entre as pessoas. Um dos exemplos dessa realidade são as diferentes culturas indígenas, com sua “fé”, que testemunham entre si o serviço solidário e generoso, a partilha fraterna, a igualdade, etc.

De todas essas mediações se serve o Deus do Reino para oferecer suas graças à humanidade. Com suas diferentes práticas e credos, muitos grupos e povos contribuem para a implantação do Reino de Deus entre os homens, participando implicitamente da missão do Espírito, através das mediações de seu contexto histórico–social e de seu engajamento em favor da vida e da nova sociedade.

A prática que traz o reino não se reduz aos cristãos e à Igreja, mas o reino vem através de todos aqueles que lutam pela liberdade e dignidade dos homens; a Igreja não detém o monopólio do Espírito de Deus. Tampouco Ele é privilégio dos cristãos. Deus usa também os partidos políticos organizados em função do bem comum, os movimentos populares, os grupos organizados que reivindicam os direitos aos homens e realizam a justiça na história. Em Is 45, Ciro, rei do Império Persa é considerado como o ungido e enviado de Deus para a libertação dos oprimidos.

Deus se serve de todos os movimentos de justiça, de fraternidade e de humanidade para instaurar o seu reino. Deus já está nas organizações sociais e de libertação antes de comprometermo-nos nelas.

Os cristãos e a Igreja não detêm os processos libertários, mas esses pertencem a Deus e a seus filhos.

Com os objetivos de preservar a vida do povo e transformar as relações sociais em vista de uma sociedade humana e igualitária, muita gente: negros, índios, cristãos e não cristãos, sustentaram uma luta até as últimas conseqüências. Foram perseguidos, torturados e mortos. Tornaram-se mártires e heróis do povo e o seu sangue continua fermentando a nossa história de libertação.  A vida de Farabundo Marti, de José Marti, de Sandino, de Che Guevara, como a de tantos anônimos que morreram em defesa da vida, é mobilizadora de consciências.

A prática de fé, de libertação e o martírio de uma multidão de pessoas na América Latina (jovens, camponeses, estudantes, operários, religiosos, sacerdotes e alguns bispos) que enfrentaram e resistiram aos opressores, nos questiona e nos impele a encarnar na história nossa resposta aos clamores dos pobres. Os testemunhos dos mártires e heróis na América Latina reforçam a nossa vocação.

A herança dos mártires e heróis nos convoca à fidelidade, ao seguimento radical e à entrega total, até que a fraternidade de Deus torne realidade para todos os povos da terra.”

Diante de uma sociedade injusta, diante da opulência de alguns e da miséria dos povos empobrecidos; a partir de nossa fé no Deus-Bíblico-Libertador; a partir do testemunho dos profetas bíblicos, dos nossos mártires, dos heróis do povo e da multidão de anônimos que resistiram até a morte contra a dominação dos opressores, o cristão não pode furtar-se à sua vocação. Pelo seguimento radical do Cristo, que morreu por uma causa revolucionária, o cristão está implicado na luta de libertação do pecado que está institucionalizado nas estruturas sócio-econômico-político-social e cultural.

Os cristãos têm a responsabilidade primeira de denunciar profeticamente as causas das injustiças sociais. A militância profética e revolucionária dos cristãos nos processos de libertação constitui um autêntico testemunho da força do Evangelho e confere as lutas sociais, na qual ele participa, uma dimensão escatológica que ultrapassa nossa compreensão. Por isso os cristãos e os consagrados ao plano salvífico do Pai, são os primeiros responsáveis em comprometer-se nos movimentos de transformação da sociedade, com todo o vigor da fé, para o benefício de toda a humanidade crente e não crente, inserindo implicitamente em todas as práticas populares os valores do reino.

A missão cristã se fundamenta em Deus, na Palavra de Deus e tem os pobres como critério de avaliação.

Quanto mais nos aprofundarmos na interpretação da Palavra segundo a ótica dos pobres e na experiência do Deus vivo e libertador, mais fecundo vai ser o fruto político do nosso compromisso: a Boa Nova para os pobres.

 “Oxalá chegue esse dia, que ele esteja chegando e a gente o faça chegar.”

 

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