Ver a aflição do povo é o aspecto específico da vocação cristã.
“Eu vi a aflição do
meu povo...” (Ex 3,7-10).
Muitas pessoas se engajam na
construção de uma nova sociedade tendo como horizonte e parâmetros valores
ético-humanos como a justiça, a fraternidade, a paz, as condições básicas para
uma humana digna, os direitos humanos, a ecologia, etc. embora essas pessoas
com suas lutas e movimentos se determinem explicitamente a partir de valores
humanos, elas são, implicitamente iluminadas, inspiradas e fortalecidas pelo
Deus que ama e salva.
Outras pessoas com o seu deus cujo
nome defere do nosso Deus e em nome de suas outras religiões ou culturas,
também se asseguram no bem, na esperança, na resistência ao inimigo e na defesa
da vida contribuindo assim, para assegurar e, ou, construir a fraternidade
entre as pessoas. Um dos exemplos dessa realidade são as diferentes culturas
indígenas, com sua “fé”, que testemunham entre si o serviço solidário e
generoso, a partilha fraterna, a igualdade, etc.
De todas essas mediações se serve o
Deus do Reino para oferecer suas graças à humanidade. Com suas diferentes
práticas e credos, muitos grupos e povos contribuem para a implantação do Reino
de Deus entre os homens, participando implicitamente da missão do Espírito,
através das mediações de seu contexto histórico–social e de seu engajamento em
favor da vida e da nova sociedade.
A prática que traz o reino não se
reduz aos cristãos e à Igreja, mas o reino vem através de todos aqueles que
lutam pela liberdade e dignidade dos homens; a Igreja não detém o monopólio do
Espírito de Deus. Tampouco Ele é privilégio dos cristãos. Deus usa também os
partidos políticos organizados em função do bem comum, os movimentos populares,
os grupos organizados que reivindicam os direitos aos homens e realizam a
justiça na história. Em Is 45, Ciro, rei do Império Persa é considerado como o
ungido e enviado de Deus para a libertação dos oprimidos.
Deus se serve de todos os movimentos
de justiça, de fraternidade e de humanidade para instaurar o seu reino. Deus já
está nas organizações sociais e de libertação antes de comprometermo-nos nelas.
Os cristãos e a Igreja não detêm os
processos libertários, mas esses pertencem a Deus e a seus filhos.
Com os objetivos de preservar a vida
do povo e transformar as relações sociais em vista de uma sociedade humana e
igualitária, muita gente: negros, índios, cristãos e não cristãos, sustentaram
uma luta até as últimas conseqüências. Foram perseguidos, torturados e mortos.
Tornaram-se mártires e heróis do povo e o seu sangue continua fermentando a
nossa história de libertação. A vida de Farabundo Marti, de José
Marti, de Sandino, de Che Guevara, como a de tantos anônimos que morreram em
defesa da vida, é mobilizadora de consciências.
A prática de fé, de libertação e o
martírio de uma multidão de pessoas na América Latina (jovens, camponeses,
estudantes, operários, religiosos, sacerdotes e alguns bispos) que enfrentaram
e resistiram aos opressores, nos questiona e nos impele a encarnar na história
nossa resposta aos clamores dos pobres. Os testemunhos dos mártires e heróis na
América Latina reforçam a nossa vocação.
A herança dos mártires e heróis nos
convoca à fidelidade, ao seguimento radical e à entrega total, até
que a fraternidade de Deus torne realidade para todos os povos da terra.”
Diante de uma sociedade injusta,
diante da opulência de alguns e da miséria dos povos empobrecidos; a partir de
nossa fé no Deus-Bíblico-Libertador; a partir do testemunho dos profetas
bíblicos, dos nossos mártires, dos heróis do povo e da multidão de anônimos que
resistiram até a morte contra a dominação dos opressores, o cristão não pode furtar-se
à sua vocação. Pelo seguimento radical do Cristo, que morreu por uma causa
revolucionária, o cristão está implicado na luta de libertação do pecado que
está institucionalizado nas estruturas sócio-econômico-político-social e
cultural.
Os cristãos têm a responsabilidade
primeira de denunciar profeticamente as causas das injustiças sociais. A
militância profética e revolucionária dos cristãos nos processos de libertação
constitui um autêntico testemunho da força do Evangelho e confere as lutas
sociais, na qual ele participa, uma dimensão escatológica que ultrapassa nossa
compreensão. Por isso os cristãos e os consagrados ao plano salvífico do Pai,
são os primeiros responsáveis em comprometer-se nos movimentos de transformação
da sociedade, com todo o vigor da fé, para o benefício de toda a humanidade
crente e não crente, inserindo implicitamente em todas as práticas populares os
valores do reino.
A missão cristã se fundamenta em
Deus, na Palavra de Deus e tem os pobres como critério de avaliação.
Quanto mais nos aprofundarmos na
interpretação da Palavra segundo a ótica dos pobres e na experiência do Deus
vivo e libertador, mais fecundo vai ser o fruto político do nosso compromisso:
a Boa Nova para os pobres.
“Oxalá chegue esse dia, que ele
esteja chegando e a gente o faça chegar.”
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